— Eles dizem para você ficar— o Sr. Tastaren se vira para mim. Seu olhar implora. Há um tom de ameaça no ar. Eles mataram as minhas Mães. Quero saber onde estão as minhas Irmãs. Não me importo que me machuquem. Não me importo com nada.
— Onde estou?— exijo.
...
— São lobos— o velho diz assim que a porta se fecha. O seu tom é sombrio e ressentido, como se essa fosse a pior notícia de todas.— Fui à ilha para vê- la, como sempre, e não pude escapar antes que eles me encontrassem. Sei falar a língua deles e a sua, e por isso acham que sou útil.
— Útil para quê? O que eles querem?
— Não entendi muito bem ainda. Mas você é importante para eles, Tahi. Vão levá- la. Meu coração afunda no peito.
— Me levar para onde?
— Para a capital, imagino. Pontis Maari. Engulo em seco.
— E as minhas Irmãs?
( morreram, né??
Tenho uma impressão esquisita ao vê- lo, como se o conhecesse e ao mesmo tempo fosse uma pessoa totalmente estranha. Mas de fato é um estranho. Um estrangeiro. Um inimigo. O Sr. Tastaren se ajoelha e mantém a cabeça baixa. O estrangeiro não olha para ele. Sua atenção está em mim. Se espera que eu me ajoelhe também, vai se cansar. Apenas a Deusa merece as minhas reverências.
Príncipe? Não me demoro nesse detalhe. Estou cansada demais e sentindo dor demais para pensar em qualquer coisa que não seja as minhas Irmãs. Não respondo. O estrangeiro dá uma meia risada, como um rosnar, e se aproxima. Ele é tão alto que facilmente poderia alcançar o teto desta sala. Parece grande em comparação à tudo aqui, até mesmo aos outros homens de preto. Ele passa pelo Sr. Tastaren. Como se fosse um gesto comum e cotidiano, estende sua mão para me tocar no rosto. Recuo até o canto da sala.
— Não toque em mim!— grito, furiosa, o que só faz a minha dor de cabeça piorar.
...
Meu amigo hesita, afinal traduz. O estrangeiro ouve e não responde. Continua a me olhar com muito interesse. Maldito. Eu o salvei. Eu o curei. Lhe dei de beber e de comer, e ainda tem coragem de me tratar como uma prisioneira, me levando para longe do meu lar.
Mas ela salvou este..., penso com desgosto, ao olhar o estrangeiro diante de mim. Este que se diz Príncipe de qualquer coisa. Ela o salvou, e ele e o seu povo mataram minhas Mães e Irmãs. O que isso significa? A Deusa nos abandonou também? Não importa. Aperto as sementes de acônito na palma da mão.
— Eu nunca servirei a você, estrangeiro— cuspo, então enfio as sementes venenosas na boca e mastigo com força.
( E tentou se matar, mds.
O Sr. Tastaren disse que dormi por dois dias. Ele sabe o que eu fiz, mas não há nenhum comentário sobre isso. Ele vem e vai várias vezes por dia. Não permitem que fique comigo. Não vejo mais os lobos também. Quaisquer mensagens deles, refeições, água, vem por intermédio do meu amigo. No entanto, através das paredes eu os ouço falar e andar. Ouço ordens sendo gritadas na sua língua nojenta o dia todo.
O Sr. Tastaren diz que foi por um acaso que eles encontraram a ilha da Deusa ou eu e as outras Servas, mas noto que há um ceticismo no seu tom de voz. Nem ele acredita nisso. O meu amigo ainda não sabe o que esses lobos ou o seu Príncipe querem comigo. Ninguém lhe disse nada a respeito.
Se os estrangeiros souberem que não tenho nenhum dom, eles vão me matar, e não posso permitir que me matem.
Ele não veio mais ao meu quarto desde o dia em que engoli as sementes de acônito. O Sr. Tastaren disse que foi ele, esse estrangeiro, quem me “salvou”. Disse que enfiou os dedos na minha garganta para me fazer vomitar e depois chamou um tipo de curandeiro. Me ressinto por isso. Eu não queria ser salva. Eu deveria ter escolha sobre a minha própria vida.
Eu gostaria de ofendê- lo, mas não sei como. Não fui ensinada a ofender ninguém. Mas gostaria de fazer isso. Gostaria de ofendê- lo aqui, na frente desses homens que o chamam de “Príncipe”.
( e a gata tenta se matar outra vez kkkkkkk
Meu corpo está cansado, então reviro nos lençóis e esfrego o rosto. Ainda estou molhada. Meu cabelo está molhado. Ouço passos pesados ao redor da cama e sei que é ele; o estrangeiro ferido. O maldito diz qualquer coisa na sua língua nojenta, e a frase termina com o meu nome, mas não presto atenção. Não olho para ele. Finjo que não está aqui. Pode gritar e dar ordens e exigir respeito de qualquer um, menos de mim.
Ele rosna outra frase. É uma pergunta. Me mantenho em silêncio. Mesmo que eu compreendesse o que diz, não responderia. Acho que isso o ofende. Ótimo. O estrangeiro olha para baixo no meu corpo, sua expressão ficando menos furiosa, depois me solta e recua até a porta. Ele a abre, ainda de olho em mim, e grita algo para fora, depois fica lá, com os braços enormes cruzados no peito. Posso sentir a sua raiva daqui e isso me deixa tão feliz que eu poderia gargalhar.
— O Príncipe diz que vai vigiar você, pessoalmente, Tahi. Ele diz que agora você é sua prisioneira. Que... hm... não importa o que você quer; vai servi- lo— meu amigo ousa olhar para o estrangeiro, que faz um movimento com o rosto, encorajando- o a prosseguir.— Ele diz que você lhe pertence e fará... hm... fará o que quiser com você.
Eu o odeio. Nunca senti tanto ódio antes como sinto agora, e está todo voltado para esse homem estranho, com a sua língua e costumes estranhos, e o seu pensamento de que é meu dono de alguma forma. Nunca. Nunca permitirei que toque em mim ou me faça servi- lo. Nunca. Eu prefiro engolir a minha própria língua e engasgar com o sangue do que deixar que ele me use para qualquer propósito.
— Nunca— cuspo. O Sr. Tastaren não precisa traduzir. O estrangeiro entende.
— Eu o salvei— digo.— Cuidei das suas feridas. Lhe dei de comer e de beber, o protegi— acima das minhas Mães e Irmãs.— E é assim que você paga a minha bondade. Devia tê- lo deixado apodrecer na praia. O Sr. Tastaren traduz. A expressão do estrangeiro vacila por apenas um segundo, depois continua me encarando com altivez, como se tivesse qualquer merda de direito sobre mim.
( ele indo tocar nela...
— Não. Ainda tenho poder— digo, e ajunto.— Mas o perderei se me tocar de forma impura. Se me tocar com luxúria. Preciso continuar... intocada.
O Sr. Tastaren traduz. O estrangeiro ouve, pensativo. Concorda com o rosto. O único olho vermelho continua em mim, me observando com desconfiança. Ele sabe que não pode confiar, mas não tem outra escolha. Por enquanto. Retruca. É uma frase curta.
O Sr. Tastaren parece confuso ao ouvi- la, mas afinal se volta para mim.
— O Príncipe disse que... hm... se você não for útil, então...
Não preciso que termine. Encaro o estrangeiro. Ele sustenta o meu olhar para que eu entenda que não é um blefe. Se eu não for útil, então ele mesmo irá me matar.