"Amanhecer na Colheita" é a perfeita linha que conecta os horrores de "A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes" e prepara o terreno para os dias de luta e esperança apresentados em "Jogos Vorazes".
Neste livro, voltamos à Panem ainda mais selvagem do que nos Dias Escuros, ainda mais perversa do quem em Cantiga, porque temos a mente doentia de Snow no comando.
Vemos um Distrito 12 destruído, envelhecido e pobre como já nos apresentado em Jogos Vorazes, mas com ainda mais verdade. Vemos um amor jovem realmente dolorido, Haymitch Abernathy e Lenor Dove, um menino da Costura e uma menina do Bando.
Impossível não comparar nossa Lenor com Lucy Gray, traçar entre elas os paralelos e ainda conseguir pensar que elas poderiam ser sanguíneamente conectadas, como se fossem avó e neta ou algo do tipo, como toda a rebeldia de Lucy Gray seguiu viva e ainda mais ardente em Lenor.
Voltando para Haymitch, ele começa como um personagem totalmente diferente daquele que já conhecemos, o que torna sua narrativa completamente fascinante e imersiva - onde tudo desandou, além de uma vitória num Massacre Quaternário, para que ele chegasse ao personagem que conhecemos hoje?!
Haymitch é escolhido para os Jogos de maneira ilegal e manipulada, tudo graças a truculência da Capital e sua força policial, além da injustiça pela posição de poder. Um jovem que não deveria estar ali, lugar errado, na hora errada. Uma edição com o dobro dos tributos, mortes violentas, muita política, manipulação e a faísca para a futura rebelião que conhecemos, tudo isso é Amanhecer na Colheita, com uma narrativa impressionante e de tirar o fôlego.
Suzanne conseguiu, ela levou Jogos Vorazes a um nível muito superior de pensamento crítico para jovens. Minha geração acompanhou o frenesi da franquia e creio (ou quero crer) que muitos de nós cresceram traçando os paralelos absurdos do nosso mundo com o universo de Panem. Vimos o mundo ficar cinza enquanto acompanhamos Panem explodir em chamas. Mas entender o que se passou antes de Katniss é entender a motivação de personagens originais já previamente muito bem construídos.
Haymitch sempre foi um dos personagens favoritos e, apesar de criticar a criação de um livro contando seus Jogos quando mais nova, hoje vejo que sim, precisávamos dessa narrativa incrível. Ver um personagem que não queria, não devia e não precisava estar lá, se transformando na real primeira fagulha de uma revolução que mudaria a história dos Jogos para sempre. Entende o que o pós-guerra, as relações de poder e uso abusivo dele podem destruir famílias e a sociedade de uma maneira silenciosa, apenas com uso de força psicológica.
Até onde nós deixamos que o discurso político nos convença, assim como foi feito com Effie? Até onde tentamos nos omitir como Haymitch, quando vamos verdadeiramente virar a página para nos tornarmos agentes de mudança ativos por menor que seja nossa ação de mudança?
"Nós queremos você do nosso lado, sim. Você sacudiu a Capital, de forma figurada e literal, com aquele terremoto. Foi capaz de imaginar um futuro diferente. Talvez não aconteça hoje, talvez não aconteça enquanto estivermos vivos. Talvez leve gerações. Nós somos parte de um contínuo. As coisas perdem o sentido por isso?"
Nossas ações contam, quem queremos ser? De que lado queremos estar? Primorosa como sempre Suzanne.